São Paulo – A favela do Jaguaré, na zona oeste de São Paulo, é uma das mais antigas e populosas da cidade. São mais de 12 mil pessoas. Pelo menos um terço dessa população tem entre 18 e 35 anos. A carência por projetos sociais profissionalizantes é imensa. Nesse sentido, uma ONG criada em 1995 na região tem muito do que se orgulhar. O Instituto Reciclar completou treze anos agora em julho. Nesse período, 225 adolescentes da comunidade foram capacitados e preparados para o segundo emprego.
Os produtos gerados na ONG – cadernos, blocos, agendas, calendários, cartões de Natal, entre outros – são, no geral, encomendados por empresas e instituições. A demanda, entretanto, é grande. Tanto que muitas vezes é preciso dizer não aos pedidos exagerados, já que o processo de produção é artesanal. Graças aos contatos com multinacionais, muitas delas apoiadoras do projeto, os produtos da Reciclar já foram parar em lugares como Martinica, Estados Unidos e França.
No Reciclar, os adolescentes aprendem a reciclar papel e a fazer produtos a partir do material reciclado. É o primeiro emprego deles. O resumo, no entanto, diz muito pouco sobre o projeto. “Aqui eles aprendem a ter responsabilidade, a cumprir tarefas, a trabalhar em equipe, a ter disciplina. Enfim, os preparamos para o mercado de trabalho”, complementa Paulo Roberto de Carvalho, gerente istrativo e financeiro da ONG.
Os jovens com menos de 16 anos participam do Programa de Complementação Escolar – que inclui aulas de matemática, português, informática e conhecimentos gerais. O curso é feito na própria sede da ONG. Os com mais de 16 participam do Programa Educação para o Trabalho. Eles trabalham das 8h às 13h30 e, no período da tarde, têm as aulas de reforço. À noite, vão para a escola regular.
Os pré-requisitos para participar do programa são muitos. É preciso ser morador da favela do Jaguaré, estudar em escola pública local e ter boas notas, bom comportamento e boa freqüência na escola. Paulo banca o orientador pedagógico quando o assunto é ver quem merece continuar no projeto ou não. “A escola envia os boletins diretamente para a gente”, explica. “E eu palpito em todos”. Se o adolescente começa a desandar, ele recebe alertas e pode até ser mandado embora se não melhorar.
A cada ano, quando os novos candidatos se apresentam à ONG, Paulo faz uma entrevista individual para saber sobre a família, os hábitos, o desempenho escolar de cada um. “Mas a primeira pergunta que eu faço é: você sabe como evitar filho?”, diz. “Queremos esses jovens bem educados e informados também”, Após três anos trabalhando no local, o jovem tem que deixar o projeto para dar lugar a um novo colega.
É o caso de Camila Aparecida da Silva Santos, de 19 anos. Ela deve deixar a ONG no final desse ano. Com o segundo grau completo e a experiência em todas as etapas de produção do Reciclar no currículo, Camila já sabe o que quer fazer quando sair: “Vou cursar gastronomia. Adoro cozinhar”. A diretora-presidente da ONG, Matiko Kume Vidal, já está articulando contatos em restaurantes e hotéis para que Camila possa conhecer de perto o mercado de trabalho com o qual ela sonha. “Tentamos sempre ajudá-los nessa transição”, explica Matiko.
O Reciclar ou a ter uma sede própria no começo deste ano, graças a uma doação do Carrefour – uma das várias empresas patrocinadoras do projeto. Com a nova infra-estrutura, é possível atender os 127 adolescentes que estão por lá neste ano, sendo 58 no processo de produção e 63 apenas estudando. “Os outros seis estão fazendo um curso de assistente de gestão empresarial no Senac, onde temos um convênio”, explica Paulo. Para se ter uma idéia do crescimento do projeto, em 2003 eram apenas 38 jovens atendidos no total.
João Batista da Cruz Filho, gerente de produção e o único funcionário que está na ONG desde o começo, lembra que no primeiro ano, 1995, a produção foi de 500 cartões de Natal. “Em 2007, produzimos 152 mil folhas brutas”, orgulha-se. Hoje, o instituto tem cerca de 220 clientes. Citibank, KPMG, Vivo, Merck Sharp, Pão de Açúcar e Sadia são alguns deles. O papel usado na reciclagem é doado por 60 empresas.
Os jovens que participam do programa de trabalho são registrados e recebem um salário mínimo estadual, no valor de R$ 450. Aqueles que participam do programa escolar, recebem uma cesta básica. Há café da manhã, lanche e almoço no local.
Hoje, Matiko se orgulha de ter encaminhado muitos deles para o mercado de trabalho. Tem gente trabalhando em escritório de advocacia, em consultórios médicos, em outras ONGs e cursando o ensino superior. À frente do projeto desde 2000, hoje ela acredita que o Instituto amadureceu e é um exemplo de projeto auto-sustentável.
“Podemos, agora, exportar o nosso modelo. Ajudar a capacitar ONGs similares em países em desenvolvimento pelo mundo todo. Já fizemos isso no Brasil, com outras organizações. Agora estamos preparados para ganhar o mundo”, diz ela. “Gostamos, inclusive, de receber visitas aqui, para mostramos o nosso processo produtivo.”
Além disso, Matiko sonha em ver os produtos da Reciclar sendo exportados de uma forma mais sistemática. “Por que não? Já conheci muitos produtos similares feitos mundo afora. O nosso não deve nada a ninguém.”
Saiba mais:
www.reciclar.org.br
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